quarta-feira, 23 de abril de 2008

Canção das Mulheres

Extrído do Livro Pensar é Transgredir de Lya Luft.

"Que o outro saiba quando estou com medo,
e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.
Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora
batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos
porque estou quieta.
Que o outro aceite que me preocupo com ele
e não se irrite com minha solicitude, e se ela for
excessiva saiba me dizer isso com delicadeza e bom humor.
Que o outro perceba minha fragilidade
e não ria de mim nem se aproveite disso.
Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco
mais de mim, porque também preciso poder fazer
tolices tantas vezes.
Que se estou cansada o outro não pense logo que estou nervosa,
doente ou agressiva, nem diga que reclamo demais.
Que o outro sinta quanto me dói a idéia da perda,
e ouse ficar comigo um pouco, em lugar de voltar logo
à sua vida, não porque lá está a sua verdade
mas talvez seu medo ou sua culpa.
Que se começo a chorar depois de um dia daqueles,
o outro não desconfie logo que é culpa dele, ou
que não o amo mais.
Que se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice,
mas sem fazer alarde nem dizendo:
" Olha que estou tendo muita paciência com você!"
Que se me entusiasmo por alguma coisa o outro
não a diminua, nem me chame de ingênua, nem
queira fechar essa porta necessária que se abre
pra mim, por mais tola que lhe pareça.
Que quando sem querer eu digo uma coisa bem
inadequada diante de mais pessoas,
o outro não me exponha nem me ridicularize.
Que quando levanto de madrugada e ando
pela casa, o outro não venha logo atrás de mim reclamando:
"Mas que chateação essa sua mania volta pra cama!"
Que se eu eventualmente perco a paciência,
perco a graça, perco a compostura, o outro
ainda assim me ache linda e me admire.
Que o outro - filho, amigo, amante, marido -
não me considere sempe disponível,
sempre necessariamente compreensiva,
mas me aceite quando não posso ser nada disso.
Que finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes
me esforço, não sou e não devo ser a mulher maravilha,
mas apenas uma pessoa:
vulnerável e forte,
incapaz e gloriosa,
assuatada e audaciosa,
uma mulher.




Nenhum comentário: